Tive um sonho — daqueles que chegam como tempestade no pensamento e silenciam a razão. Foi uma visão tão vívida que, mesmo desperto, hesitei em contá-la, temendo que a lucidez me traísse. Mas a mensagem insiste em mim e precisa ganhar o mundo em palavras.
No sonho, eu caminhava por uma Belém transformada em metrópole, cercada por arranha-céus, câmeras de vigilância e muros invisíveis erguidos entre os homens. Procurei a estrela, mas o céu estava tomado por aviões, satélites e drones. Havia brilho demais nas telas e holofotes; e, ainda assim, faltava luz na alma. O cheiro de incenso deu lugar à poluição, e o ouro, outrora símbolo de realeza, tornara-se apenas motivo de opressão e ganância. Se o Menino nascesse hoje, quem o anunciaria: um anjo ou um telejornal?
Transportei-me, então, para o cotidiano da Sagrada Família no Brasil de agora. Imaginei Maria não em um estábulo, mas enfrentando subempregos e as filas intermináveis da saúde pública, aguardando uma regulação que sempre chega tarde. E José? O artesão silencioso seria hoje o trabalhador invisível das cidades — um pedreiro ou entregador por aplicativo — lutando contra o etarismo e o descarte humano, sendo tratado apenas como um dado frio em estatísticas de quem vive de “bicos”.
E o Menino — sobreviveria em nossa realidade?. Passaria pela infância sem ser alvo de uma bala perdida? Seria confundido pela cor da pele ou pela roupa simples?. Visualizei sua escola: não o templo, mas uma sala superlotada com poucos recursos, onde estaria sujeito à vitrine cruel da era moderna, entre cancelamentos e fake news. Imaginei seus apóstolos resistindo à tentação do “mercado das curas” e das negociatas travestidas de fé.
Se Jesus vivesse entre nós, sua morte não viria pela cruz, mas talvez pela indiferença: vítima do Estado, de facções ou da falta de uma vaga na UTI. Diante da justiça, não estaria frente a Pilatos, mas perante juízes togados e pilhas de processos, muitas vezes sem rosto e sem defesa. Diariamente, muitos “Cristos” padecem de forma anônima, e o mundo mal percebe o descaso e a dor do outro.
Por fim, surgiu o questionamento mais inquietante: Cristo, vivendo nesta lógica de poder e corrupção, permaneceria fiel à lei do amor ou seria seduzido pelo “levar vantagem”?. Ele caminharia com misericórdia ou seria endurecido pelo século?
Acordei antes da resposta, mas a provocação ficou latejando: E se o Natal fosse hoje… e o Cristo fosse você?. Como você se comportaria diante das injustiças e das escolhas que definem nosso tempo? Seríamos capazes de ser o que esperamos d’Ele?
O sonho se dissipou, mas o chamado permanece. Talvez o mundo ainda espere um Cristo — e talvez Ele esteja apenas esperando que nós despertemos primeiro. Pense nisso. Mas pense agora.
Antônio Martins de Almeida Filho, Cadeira 28 da AQL