A nova Base Nacional Comum Curricular, que deve ser implementada até o ano que vem no ensino infantil e fundamental, cita capacidades como “utilizar os conhecimentos para entender e explicar a realidade”, “argumentar com base em fatos” e “exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos”.
Os temas mobilizam Mark Church, coautor de “Making Thinking Visible” (tornando o pensamento visível), e o Project Zero, que ele integra e que há 51 anos pesquisa na Faculdade de Educação de Harvard.
Church, 48, esteve em São Paulo para uma conferência na escola Concepte falou à Folha sobre a formação de docentes e a importância de ensinar o aluno a ousar e errar.
Como o sr. se envolveu com a ideia de que é preciso ensinar o aluno a compreender?
Eu passava lições e achava que meus alunos aprendiam. Frequentemente, porém, as crianças viravam a página da multiplicação para a seguinte, com problemas matemáticos, e perguntavam: “tenho que multiplicar?”
Sabiam fazer, mas não reconheciam quando, como, onde e por que usar as habilidades. Qual é o sentido de ter as habilidades se não podemos colocá-las em ação por conta própria?
Comecei então a pesquisar o que é compreender.
As escolas mudaram muito ou continuam com professores, lousas, livros, provas e estudantes sentados?
Meu colega David Perkins, membro fundador do Project Zero, muitas vezes menciona o fato de tantas escolas ensinarem para ninguém, ensinarem coisas que já sabemos. As crianças vão seguir em frente para o desconhecido, para o futuro. Que senso de dever e cidadania temos nessa profissão para não preparar as crianças apenas para o que já conhecido?
Como as preparamos para o desconhecido, para as situações que ainda não encontramos?
Devemos refletir sobre o que será útil para elas não só agora, mas ao longo dos anos.
Temos no Brasil uma realidade de escolas com pouca estrutura, professores mal remunerados e formação insuficiente. É possível aplicar o conceito de se ensinar a compreender?
Para lecionar em qualquer contexto, deve-se pensar nos objetivos de longo prazo e em como os preparamos para um futuro em que terão grandes questões para tentar solucionar. Nas escolas escocesas de ensino médio, os estudantes estavam lutando com os exames e indo mal.
Quando os professores tentaram tornar o processo de pensamento dos alunos visível, criou-se uma nova dinâmica. Os alunos passaram a sentir que a escola era um lugar para eles, que suas ideias importavam e que os adultos não estavam lá só para controlar o grupo. Essas ideias estão encontrando eco entre professores que trabalham em circunstâncias adversas.
Você defende que se crie espaço para que os estudantes desacelerem e possam pensar, evitando agendas lotadas. Não é o oposto do que se dá hoje?
É algo com que nos preocupamos. O trabalho de ensinar para compreender e de criar a cultura de rotinas do pensamento não minimiza deveres e prazos. Queremos que as crianças pensem sobre matemática, ciências, história e todas as matérias, mas é crucial avaliar em que hábitos de pensamento queremos que sejam boas para que possam se agarrar às grandes ideias em cada área e levá-las para a vida adulta.
As redes sociais são aliadas ou inimigas desse processo?
Estamos presos a bolhas falando com quem concorda conosco e, como sociedade, temos de nos perguntar como queremos conversar uns com os outros. Quando os estudantes estão preparados para observar, fazer conexões,
considerar outros pontos de vista, raciocinar com evidências, construir explicações, estão mais bem preparados para para conversas difíceis com pessoas das quais discordam.
Você fala de pais e professores “helicópteros”, sempre em cima. Como deixar que as crianças desenvolvam autonomia?
Não damos às nossas crianças a chance de falhar. Se sempre as carregarmos, que oportunidades podemos estar menosprezando?
Porque evitamos ensinar resiliência em vez de olhar para as oportunidades de desenvolvê-la?
Deve-se criar uma cultura para que os alunos se sintam seguros de arriscar, tentar. E, se algo não der certo, não há um demérito enorme ou prejuízo ao aprendizado.
Quero colocar o aprendizado na mão deles e deixá-los se esforçar para que as coisas façam sentido. Devem batalhar com suas próprias ideias, se sentir seguros para isso, e temos de agir como facilitadores.
Fonte: fundacred