No Brasil, mais da metade da população se declara preta ou parda. Vivemos em um país totalmente plural, em que seu povo surgiu da miscigenação, mas que carrega em sua estrutura social padrões estéticos que não combinam com a diversidade de sua gente. E questões sociais colocam o povo preto em condição de desigualdade. O mercado de trabalho é exemplo disso.
No nosso país, a população preta recebe menos que os brancos e é maioria nos setores da economia com baixa remuneração. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a representatividade no mercado de trabalho do profissional preto ainda é pequena. Pretos e pardos são maioria em setores com remuneração mais baixa: agropecuária (60,8%), construção civil (63 %) e serviços domésticos (65,9%). Outro levantamento mostra a desigualdade entre pretos e brancos na ocupação dos cargos de liderança nas empresas. Uma pesquisa do Instituto Ethos divulgada em setembro de 2019 mostrou que nas 500 empresas de maior faturamento do Brasil, os negros representam cerca de 58% dos aprendizes e dos trainees, mas estão presentes em somente 6,3% nos cargos de gerência. No quadro executivo, a proporção é ainda menor, apenas 4,7% são negros.
As pesquisas apontam alguns fatores para que essa realidade ainda exista. Fora os pontos relacionados à economia, o principal motivo para a baixa adesão de pretos em cargos de liderança é a falta de acesso à escola desde a primeira infância, o que se agrava no ensino superior, que poucos conseguem concluir. A educação é a principal porta de entrada para qualquer pessoa no mercado de trabalho, mas, quando se é preto, é necessário que você se esforce mais, que se dedique mais para alcançar o seu objetivo. Sendo preto no Brasil, você tem que saber que desde pequeno vai ter que se esforçar mais e que o melhor caminho para chegar a esse topo é pela educação.
Eu, como mulher preta, vivi isso minha vida inteira. Desde sempre tive que buscar alternativas, e busquei pela educação trilhar minha trajetória de sucesso. Em janeiro de 1990 eu conclui o meu ensino médio, com festa de formatura e tudo. Afinal, naquela época, uma pessoa de origem humilde ter o “2º grau completo” era motivo de muita comemoração. Eu, jovem negra, com 18 anos de idade, tinha alcançado aquilo que para mim era o patamar mais alto de formação que alguém como eu chegaria. Toda a minha família se orgulhava do feito, já que dos meus 10 irmãos, apenas eu e mais uma tínhamos conseguido. E essa ainda é a realidade de muitos jovens negros no país, as coisas estão mudando a lentos passos, entretanto, a conclusão do ensino médio e a entrada na faculdade, nas regiões periféricas do Brasil, ainda é um feito para poucos.
Encontrei em meu caminho pessoas que me ajudaram a conseguir alcançar meus objetivos, como a dona de uma agência em que eu era secretária. Ela não se conformou com a minha resposta quando me perguntou sobre a minha faculdade e eu disse que não ia fazer porque não tinha condições de pagar um curso superior. Naquela época, passar no vestibular era um grande feito, pois o número de candidatos por vagas para cursos como o meu era de 100 pessoas, em média. Além disso, o governo federal tinha retirado todo tipo de incentivo à formação superior. Mas a dona da agência fechou uma permuta com o melhor cursinho preparatório de vestibular da cidade, me matriculou e depois de seis meses eu consegui ingressar no curso de Comunicação Social.
Depois de passar, o desafio foi pagar as mensalidades e ainda ajudar nas despesas de casa, mas consegui terminar o curso completamente adimplente. Na minha formatura, minha irmã mais nova viu que sim, esse sonho era possível para ela também. Inspirada na minha história, ela decidiu prestar vestibular de Psicologia e alcançou sucesso na sua carreira.
Minha história é como a de muitas mulheres pretas que só pela educação conseguiram se tornar inspiração para uma legião de meninas, que hoje, de alguma forma, mesmo que ainda bem pouco, conseguem se sentir representadas, tendo como referência grandes artistas, advogas, médicas, professoras, enfermeiras, policiais, jornalistas, empresárias outras profissionais pretas, que pela educação alcançaram um lugar de sucesso em suas carreiras.
Essa história é para mostrar o poder transformador da educação na vida de uma pessoa negra. Por meio da educação, eu consegui mudar a minha realidade e de toda a minha família. Com dois anos de formada, eu reformei a casa dos meus pais completamente. Por meio da educação, eu comprei minha casa, meu carro e tenho uma vida confortável. Por meio da educação, eu inspirei a minha irmã a também fazer um curso superior. Por meio da educação, eu inspirei meus sobrinhos e muitos vizinhos da região periférica onde meus pais moram até hoje a também ingressarem em uma universidade. Por meio da educação, eu fui muito além das conquistas materiais, eu me tornei referência, eu ampliei minha visão de mundo.
É impossível dissociar as questões socioeconômicas das étnico-raciais. Em um país que foi um dos últimos a abolir a escravidão e que depois largou as pessoas escravizadas à própria sorte, vemos uma maioria de negros nas classes sociais mais baixas. Fora assim comigo. É assim com muitos dos meus.
Depois da formação, enfrentei inúmeros desafios para me posicionar no mundo corporativo, porque por diversas vezes a minha suada formação foi questionada. Para vencer esse empecilho e quebrar os vieses inconscientes que sempre foram barreiras para eu ocupar determinados postos, mais uma vez vi na educação um instrumento potente. O lifelong learning, conceito tão atual, deve sempre ser a tônica para que nós negros venhamos a ser considerados aptos para as vagas.
Se posso dizer alguma coisa para os jovens negros que querem conquistar seu lugar ao sol, recomendo: estudem, estudem e estudem. A educação transforma, a educação empodera, a educação inspira, a educação amplia o tamanho dos nossos sonhos. Foi assim comigo e há de ser com vocês.
Fonte: fundacred